Desinteresse.

Alô quem é? Ahn.Oi, tudo bem? Peraí, como você conseguiu o meu número? Só me fala ao vivo, sei. Certo. Na verdade tenho que desligar. Hunnmm você liga mais tarde, é,bem mais tarde, porque depois daqui almoço fora e tenho academia e faculdade. Claro! Você retorna a ligar quantas vezes for preciso? sei. Jantar ? Treino à noite, fica complicado. E ando de dieta ,inviolável. Final de semana tenho compromisso , é sagrado. Sorvete domingo à tarde? Poxa vou ver o jogo do meu time, não rola. Também vai ? Vou com meu irmão, desculpa. Minha rotina anda bastante congestionada ,são meus projetos paralelos em andamento .
Melhor você me ligar outro dia, sabe como é...Mensagem? mas falando o quê? Hora e lugar, do quê? não entendi.Cinema ? Ando sem tempo sabe. Não,. eu não estou disponível .É, uma pena .Quem sabe na próxima reencarnação. Só não continue tentando porque se não suas chances se esgotam já nesta vida .

(Quando a gente dá todas as desculpas possíveis e nem assim a criatura capta a mensagem ,usar da sinceridade é a única verdade plausível nesse escrito todo.)

Pra quem tem irmão.

Ter um ou mais irmãos é pra quem pode, foram os afortunados selecionados a terem uma ligação a mais com o passado, segura no futuro e contente no presente. Uma relação mais forte que o próprio amor, nem comporta no peito.

Irmão é escola, é o primeiro ser com quem aprendemos a partilhar tudo, seja um colo, uma barra de chocolate, parte do cobertor, um brinquedo, o melhor livro, o relógio descolado, o filme predileto e até o mais sagrado, objetos de acesso exclusivo.

Só quem tem irmão sabe o que é traçar um plano mirabolante para dar um zig nos pais e favorecer apenas uma das partes, sabe o que é ser leal mesmo que lhe custe caro, sabe o que é ouvir: Vai dar merda e ainda assim estar do lado. Sabe o que é ficar em casa para fazer companhia ao outro que adoeceu. Sabe o que é voltar precocemente de uma viajem porque o seu irmão adoeceu devido a sua ausência.

Quem tem irmão sabe o poder e a força que tem o abraço, o sorriso, a presença, o respeito. Sabe o que é sentir-se protegido na ausência dos progenitores ou sentar-se numa cama confabulando as peripércias do dia, sabe o que é brigar por futebol ou por um controle remoto e depois de dois segundos esquecer o desentendimento.

De todos os presentes que a vida me deu, de todas as heranças que poderiam ser deixadas, eu recebi algo mais valioso que o amor, quando nem tinha consciência do que seria ganhar um irmão. Eu não conseguiria suportar o mundo se  ele não estivesse aqui. A vida seria muito chata. E as crises de ciúmes? As surpresas cotidianas? A parceria?  Antes, eu queria ter um filho só, mas pensando bem, não seria justo dar um futuro tão infeliz a alguém. Afinal, quem disse que amor e felicidade não é genética? Só quem tem irmão sabe...

Aquilo que nem o tempo cura.

Todo fim de tarde que tenho tempo livre, coloco a coleira no me cachorro (filho de estimação) e saímos para dar uma volta, enquanto o sol se despede do dia. Ontem enquanto corríamos numa brincadeira muito particular ouvi uma voz que me deixou com um nó na garganta e me causou um dor indescritível. Olhei para um lado, olhei para o outro e quando me esforcei pra olhar para cima na tentativa de identificar de onde vinha aquela voz, vi um jovem senhor com um aparelho celular em uma das mãos conversando freneticamente o que me fez recordar  de um velhinho que neste mundo "não habita" mais.


 Senti saudade. Saudade do meu avô. Saudade do tempo em que meu nome era princesa, a princesa de cabelos dourados como dizia ele. Senti saudade de contemplar o sorriso lindo que ele exibia, saudade de vê-lo com seus braços enormes abertos e que criava asas e velocidade ao me ver e então sem nem pensar eu me envolvia nos seus braços e era a menina mais feliz do mundo. E foi num dia qualquer, quando eu não estava pronta, ele partiu sem ao menos se despedir. Sequencia de imagens, olhos transbordando, silêncio gigantesco e uma saudade que nem o tempo curou.


Na noite passada resolvi dormir mais cedo, pra ver se esquecia a dor que a falta do meu vô me traz.